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O que são as indulgências?
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Unindo-nos às celebrações do Ano Paulino instituído pelo Papa Bento XVI, em comemoração aos dois mil anos do nascimento do Apóstolo São Paulo, concedemos aos fiéis cristãos de nossa Arquidiocese de Juiz de Fora o privilégio de Indulgência Plenária. Para alcançá-la, porém, necessita-se de uma série de disposições, a começar pelo Sacramento da Reconciliação, conforme aludida no Decreto nº 025/2008 e já extensamente discorrida em artigo anterior. Desta vez, ocupamo-nos em buscar esclarecer aos caros leitores sobre as indulgências.

O que são as indulgências? A inquirição quase se torna inevitável, principalmente quando, ao mencioná-las, reportamos a determinados períodos da história em que tão benevolente concessão tomou uma conotação errônea, pela má compreensão e até maldosa interpretação dos fatos.

De acordo com o Manual das Indulgências aprovado pela Santa Sé e publicado em 1990 pela CNBB (cf. Edições Paulinas, SP, 1990, pág. 15-19), “indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos. (cf. Indulgentiarum Doctrina, Norma 1)”. Ou seja, tendo se reconciliado pelo Sacramento da Penitência – lembramos, aqui, da necessidade da perfeita contrição, sem nenhum afeto ao pecado -, e cumpridas as demais condições, o fiel recebe graças especiais (seja para si ou para a sua pessoa, ou para os irmãos que padecem no purgatório) para a remissão de algum “resquício do pecado”. “A indulgência é parcial ou plenária, conforme liberta, em parte ou no todo, da pena temporal devida pelos pecados” (I.D., Norma 2).

Por muitos anos, principalmente nos primeiros séculos, as obras de penitência eram o que talvez, hoje, consideremos severas; muitas vezes não por imposição da autoridade eclesiástica, mas por iniciativa do contrito penitente. Com o passar do tempo, num gesto de clemência, buscando, ainda, conter determinados escrúpulos e abusos, a Santa Igreja, pela autoridade que Nosso Senhor a concedeu, abrandou essas práticas por outras associadas aos méritos do Divino Redentor, como a recitação do Santo Rosário ou de orações diversas, jaculatórias, atos de piedade, peregrinações etc.   

E quando o verdadeiro e claro sentido das indulgências se nos torna compreensível, somos desafiados por relatos anticlericais sobre as “vendas de salvação”. Ora, querer macular a História Eclesiástica, além dos pecados dos homens – até do clero -, é o cúmulo da sordidez da imaginação humana. No entanto, infelizmente, muitos são capazes disso, ferindo gravemente a Esposa Imaculada de Cristo.

Sabemos que, ao longo da História, a corrupção sempre buscou espaço, seja no coração dos homens, seja no seio das instituições. E na Igreja não foi diferente, principalmente no período da Renascença, de forte influência da cultura pagã nas artes, em detrimento de tudo o que deveria puramente conduzir à elevação da pessoa em seu todo. Mas mesmo nessa onda de degradação moral e espiritual, a graça de Deus nunca faltou, tanto que temos inúmeros exemplos de pessoas que se santificaram, condenaram os abusos e salvaram almas.

Nesse ambiente foi que o papa Leão X, em 1514, pelo Decreto “Cum postquam”, concedeu indulgências aos “fiéis de Cristo, unidos pela caridade como membros a Cristo, quer se achem nesta vida, quer no Purgatório, pela abundância dos méritos de Cristo e dos Santos. E concedendo tanto para os vivos como para os defuntos, por apostólica autoridade, a indulgência, acostumou-se a dispensar o tesouro dos méritos de Jesus Cristo e dos Santos, e a conferir a mesma indulgência a modo de absolvição, ou a transferir a modo de sufrágio. E por isso todos, tanto vivos como defuntos, que verdadeiramente alcançaram essas indulgências, são livres de tanta pena temporal, devida segundo a justiça divina por seus pecados atuais, quanto foi a indulgência concedida e adquirida, equivalentemente” (DI, ref. 37), explicitando, mais adiante, que as concedia a “qualquer cristão que recebesse os sacramentos e desse esmola” (cf. BETTENCOURT, Estêvão. Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, p.151). Portanto, como tão bem nos expõe Dom Estévão Bettencourt, de santa memória, o perdão dos pecados é um pré-requisito indispensável para se lucrar as indulgências.

Não nos esqueçamos, contudo, que a Santa Igreja é composta por homens susceptíveis a todas as fraquezas, principalmente as tibiezas morais, adubo para a corrupção. Aliás, torna-se oportuno reportarmos-nos ao Catecismo da Igreja Católica, que tão bem nos ensina em seu § 827: "Mas enquanto Cristo, 'santo, inocente, imaculado', não conheceu o pecado, mas veio apenas para expiar os pecados do povo, a Igreja, reunindo em seu próprio seio os pecadores ao mesmo tempo santa e sempre necessitada de purificar-se, busca sem cessar a penitência e a renovação. - Todos os membros da Igreja, inclusive seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles o joio do pecado continua ainda mesclado ao trigo do Evangelho até o fim dos tempos. A Igreja reúne, portanto, pecadores alcançados pela salvação de Cristo, mas ainda em via de santificação.”

Desta forma, acreditamos que, certamente, aconteceram abusos, como inclusive a História da Igreja relata a respeito de João Tetzel, um dos mais conhecidos acusados de “vender” essas indulgências. No entanto, nunca podemos olvidar a graça do Espírito Santo, ardente na Igreja, e que sempre a manteve sobre a Rocha firme em que Nosso Senhor a edificou.

O dinheiro nunca foi condição para a obtenção das indulgências. Como nos explica ainda Dom Estevão, “quando a Igreja indulgenciava a prática de esmolas, não tencionava dizer que o dinheiro produz efeitos magníficos, mas queria apenas estimular a caridade ou as disposições íntimas do cristão para que conseguisse libertar-se das escórias remanescentes do pecado” (op. cit.). Quanto à revolta de Martinho Lutero, que passou à posteridade erroneamente como a Reforma Protestante, a questão das indulgências foi de somenos importância. Lançando o subjetivismo da “sola scriptura e sola fide”, ele rejeitou os dogmas que bem definem o processo de salvação das pessoas, abjurando os Sacramentos, a Tradição Apostólica e o Sagrado Ministério.

Como é triste e amargo ter abandonado o Senhor Deus” (cf. Jr 2,19), pois, como reafirma o precioso documento “Lumen Gentium”, a Igreja é o “sacramento universal da salvação da humanidade” (48). Por meio do pecado o homem se afasta de Deus, distancia-se da salvação. Mas a Misericórdia Divina, que nos deixou no Memorial de sua Paixão as fontes inesgotáveis da nossa redenção, resgata-nos dos ergástulos do pecado e, purificados pelo Sacramento da Penitência e restaurados pela participação na Sagrada Eucaristia, privilégios que só a Santa Igreja pode conceder, reaproximamo-nos da deliciosa convivência íntima com Nosso Senhor Jesus Cristo, na esperança de, um dia, gozarmos da plenitude da vida.

Que os fiéis católicos de nossa querida Arquidiocese de Juiz de Fora não percam esta oportunidade que a Igreja – Mãe e Mestra – lhes concede neste Ano Paulino.



 
 
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