Liturgia Dominical
 
5º Domingo da Quaresma - B
 
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"A mim, ó Deus, fazei justiça, defendei a minha causa contra a gente sem piedade; do homem perverso e traidor; libertai-me, porque sois, ó Deus, o meu socorro." (Sl 42, 1-2)

Meus Irmãos e Minhas Irmãs,

Chegamos ao fim de mais um retiro anual neste abençoado e favorável tempo de conversão e de reflexão. Todos somos convidados, neste derradeiro domingo da Quaresma, a refletir e entender a aprendizagem divina: a hora de Jesus.

“Dias virão” é uma expressão que, no Antigo Testamento, muitas vezes, soa como uma ameaça. Hoje, entretanto, ouvimos uma promessa das mais carinhosas: uma nova Aliança, conforme nos ensina a primeira leitura retirada do Livro de Jeremias (Jr 31,31-34). A antiga aliança tinha sido rompida demasiadas vezes. Deus recorre ao último recurso: uma nova aliança. Aliança que será diferente da anterior. A Lei não mais estará escrita em tábuas ou em rolos, mas no coração de cada um dos viventes. Não mais precisarão de mestre, pois todos conhecerão a Deus, que os toma para si, esquecendo seus pecados.

No tempo de Josias, por volta de 620 aC, revive a fé em Judá. Mas a Aliança foi tantas vezes rompidas pelo povo, que só Deus a pode renovar ainda, por seu amor que perdoa e restaura. Por parte do homem, pressupõe a virada do coração, a conversão. Então a nova Aliança superará a antiga.

Irmãos e Irmãs,

A segunda leitura (Hb 5,7-9) nos fala que Cristo morreu por nós e se tornou princípio de salvação. Em Cristo, a nova e eterna aliança é concluída. Por isso, estamos chegando perto da hora decisiva para Jesus. Sendo o Filho de Deus, Jesus, é o perfeito pontífice, mediador. Mas é, também, o perfeito discípulo de Deus, que aprende a obediência pelo sofrimento: na obediência descobriu a lógica do plano de Deus, a doação até o fim. No seu clamor de oprimido, encontrou ouvido junto a Deus: a força para assumir sua cruz e morrer em prol dos pecados de todos. Este foi o caminho de sua glória e de nossa salvação e reconciliação com o Pai.

O capítulo 12 do Evangelho de São João é denso e tenso(cf. Jo 12,20-33). Jesus subiu a Jerusalém para a festa dos judeus, para a Páscoa judaica. Pernoitando em Betânia, a poucos quilômetros de Jerusalém, na casa de Lázaro, a quem ressuscitara dos mortos, Maria, num gesto profético, ungiu-lhes os pés com perfume precioso e enxugou-os com os cabelos. Ao gesto de Maria, acontecido na privacidade, respondeu a multidão pelas ruas de Jerusalém, levando ramos de oliveira e gritando hosanas àquele que vem em nome do Senhor.

Todos, homens e mulheres, jovens e crianças, judeus e pagãos, cidadãos e plebeus, discípulos e inimigos, encontram-se no teatro da salvação. Jesus demonstra perfeitamente que tem consciência que irá morrer e qual será o tipo de morte que para Ele está reservada. Jesus anuncia que é chegada a hora de sua paixão. Preocupa-se com ela. Expressa o desejo de ver os Apóstolos com ele no cumprimento da vontade do Pai. Gostaria que todos o acompanhassem nessa hora. O próprio Evangelista coloca a Cruz como caminho de glorificação. Há uma perfeita sintonia entre a vontade de Jesus e a vontade do Pai.

Meus irmãos,

É chegada a hora decisiva. Quando Jesus começou a vida pública, fazendo o milagre de Caná, falou de uma hora em que ainda não havia chegado. Hoje Ele afirma que chegou a hora. A palavra hora, em João, significa o momento da paixão, morte e ressurreição, o cumprimento pleno da vontade do Pai. A hora de Jesus inclui a cruz e a ressurreição, pelas quais se ofereceu ao mundo a salvação. E essa hora aparece no Evangelho hodierno sob várias figuras ou expressões afirmativas. Por isso, o grão que vai nascer e frutificar, o perder a vida para conservar a vida eterna, a glorificação, a exaltação, a voz do céu, a morte, o julgamento, tudo isso são demonstrações que é chegado o momento da paixão de Jesus.

É necessário, pois, que o fiel fite com os olhos da fé, porque na primeira vez em que Jesus, em sua vida pública, subiu a Jerusalém, recebeu a visita de Nicodemos. O velho mestre representava, de certa forma, todos os judeus a quem anunciava em primeiro lugar, a nova doutrina e as condições exigidas para recebê-la. Agora, é um grupo de gregos pagãos que o foram ver.

Jesus anuncia que é chegada a hora de sua glorificação na morte. Os gregos queriam vê-lo. Ver, no Evangelho de São João, está na linha do crer. Não basta vê-lo, contudo, com os olhos do corpo, mas devemos ver com os olhos da fé. Por isso é necessário entrar no destino de Cristo.

Jesus fala por parábolas. Compara-se a um grão de trigo que morre para poder dar fruto. Vê-lo, portanto, é compreender, o quanto for possível, esse caminho de morte e vida, de humilhação e glória. Vê-lo, de fato, quem também é capaz de ser grão de trigo e fazer morrer seu egoísmo e seus interesses, para que repontem frutos de salvação.

Irmãos e Irmãs,

O discípulo verdadeiro, segundo Jesus, não deve ter medo e fugir do caminho do sofrimento. Devemos ter cuidado com o verbo “odiar”, que ocorre no versículo 25 do Evangelho. Jesus não manda ter ódio, como entendemos a palavra hoje. Aqui ela está em contrabalanço com amar. Dois extremos para dizer que o discípulo deve viver inteiramente desapegado. São inúmeras as vezes em que o Mestre coloca essa exigência e a põe de muitos modos. O discípulo não deve fugir da morte, se ela for necessária, pela edificação do Reino de Deus. Tudo no mundo é relativo, tendo em vista que o essencial é a vontade salvadora do Pai, que mandando seu Filho ao nosso meio era necessário que Ele morresse para a nossa salvação.

O sim de Jesus à vontade do Pai é dolorosamente difícil. Compreende-se que, nesse momento de intensa luta interior e de decisão, Ele pede aos Apóstolos que não o abandonem e promete aos que estiverem com ele até o fim – passando pela cruz e chegando à glória – que o Pai do Céu os receberá com honras. Ele ainda fala do servo, porque a gratuidade aqui na salvação é fundamental. Gratuitamente, o Redentor morre na cruz para a salvação do mundo. Por isso, gratuitamente deve acompanhá-Lo e com ele sofrer e morrer o servo.

A morte cruenta na cruz é a única forma de servir, porque há muitas formas de cruz e muitas maneiras de dar a vida por Cristo. Servir, viver a vida prática em coerência com esse serviço, repartir com os irmãos o que tem e o que é, anunciar de todas as formas a seu alcance a pessoa e os ensinamentos de Jesus, esse comportamento significa um contínuo morrer para os próprios interesses, significa repetir na prática a conformidade expressada no Horto das Oliveiras: “Não se faça a minha vontade, e sim a vossa”.

Meus irmãos,

A pergunta que hoje nos interpela é: “Queremos ver Jesus?” Cristo é verdadeiramente Deus, professado pelo Concílio de Nicéia no ano de 325 e pelo Concílio de Éfeso em 431. Queremos contemplar e ver a beleza infinita e a riqueza da plenitude da vida, do amor, da ternura, da piedade daquele que se revela na Sagrada Escritura como Deus vivo. Jesus é o Deus conosco, um Deus no contexto da história humana; nele está a fonte infinita do amor, da paz, da alegria, da confiança. Se Jesus é Deus, descobrimos até que ponto Deus nos amou.

Diante de Jesus morto na cruz só há silêncio: Jesus me amou até morrer por mim. Cada um se encontra sozinho diante do mistério de Deus: “Deus morreu e nós o traspassamos. Nós o matamos encerrando-o no invólucro deteriorado das idéias rotineiras, exilando-o em formas de piedade pela ambigüidade da nossa vida que lançou um véu obscuro sobre ele”(Joseph Ratzinger). A fé cristã recebe da cruz de Jesus a sua forma característica: dizer sim à aventura de perder a própria vida, dizer sim a um amor autêntico.

A síntese da mensagem da Liturgia de hoje é a seguinte, na conclusão dos exercícios quaresmais: ao aproximar-se da Semana Santa, todos somos convidados a descobrir a arma com a qual Jesus venceu o seu adversário e o pecado: a obediência ao amor, obediência ao amor até o fim.

Temos o incessante desejo de ver a Jesus e só poderemos fazê-lo quando o vermos no irmão e na irmã, especialmente, nas vítimas da violência, que corrompe toda a obra da justiça, que é a paz. Amém.



 
 

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