Com a palavra...
 
Espiritual ou material?
Por: Dom Fernando Mason
Bispo Diocesano de Piracicaba
 
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Os maniqueus foram uma seita muito forte nos séculos IV e V d.C. Eram organizados como a Igreja Católica, com dioceses, bispos, etc. Sua maneira de entender o mundo era "dualista", isto é, afirmavam que o mundo e o ser humano tiveram origem de dois princípios: o do bem, do qual teve origem tudo o que é "espiritual" e o do mal, do qual teve origem tudo o que é "material".

Esta maneira de pensar "dualista", anterior aos próprios maniqueus, está presente em toda a história cultural e religiosa da humanidade, sempre reinventada porque é uma forma muito simples de resolver a questão do bem e do mal, questão que atormenta toda pessoa e toda cultura em todos os tempos.

O ponto fraco deste pensar está na dificuldade de definir o que é espiritual e o que é material. Por exemplo, o trabalho de um pedreiro que luta para sustentar sua família é espiritual ou material? A oração para que alguém fracasse num empreendimento é espiritual ou material? O pensar dualista vem à tona muitas vezes quando se fala de Igreja, de suas atuações e de suas estruturas, e muitas vezes de forma apelativa.

A Igreja deve ser "espiritual", pensam; deve, portanto, aborrecer tudo quanto é material. Pregar o Evangelho é espiritual, mas usar textos bíblicos para defender a própria posição egoísta é espiritual? Edificar prédios é material, mas construir um templo ou salas para a catequese, é material? E as "promoções" realizadas para construir o templo e as salas? São espirituais ou materiais?

A Igreja deve socorrer os pobres, mas promover os recursos para ter como socorrê-los é impróprio para ela, é material. Ela deveria ter estruturas para amparar os drogados, mas não pode angariar recursos para isso porque é impróprio, é material.

Poucas coisas são más em si. O que as diferencia das demais é o modo de fazê-las e a "paixão" que as faz acontecer. Não perceber que há situações similares, mas bem diferentes umas das outras, não é nenhuma fineza intelectual, pois "material-espiritual", antes de se referir a coisas que se fazem, refere-se a dois modos da existência que atravessam todo o viver.

Sim, uma pessoa pode ser tomada por um modo de viver "material" porque tudo o que faz (seja ele classificado, usualmente, de "espiritual" ou de "material") é centrado sobre si, seus interesses, seus gostos, etc; uma pessoa pode ser tomada por um modo de viver "espiritual" porque em tudo o que faz (seja ele classificado, usualmente, de "espiritual" ou de "material") busca amar, se doar, ser justo, etc.

Uma compreensão não suficientemente elaborada da questão, do que seja realmente "espiritual" e "material" leva a um moralismo barato, escandalizado, aplicado aos outros, simplesmente porque os outros não se encaixam ao nosso gosto ou ao nosso interesse ou à nossa dominação; leva a atitudes julgatórias e condenatórias, não se sabe bem a partir de qual elaboração superior da ética e da moral.



 
 
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