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A penitência
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Vamos começar as celebrações da Semana Santa já no próximo domingo e há quase quarenta dias iniciamos a preparação para esses dias, renovando nossa fé através de uma vida penitencial mais intensa, com orações mais freqüentes, jejuns e, sobretudo, uma vida de caridade mais aplicada, a fraternidade.

Porque isso? A penitência e a prática que nos impomos, em primeiro lugar, não é exclusiva deste tempo. Toda a nossa vida deve ser imbuída deste espírito se quisermos seguir a Cristo. Mas, para vencer a inconstância, que é característica do ser humano, são importantes tempos fortes para retemperar a nossa vontade através de uma inteligência do mistério da cruz redentora.

São Paulo descreve essa fraqueza, falando de si mesmo, da luta interior que experimentamos para viver a fé: "Sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente não consigo entender o que faço, pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto"(Cf. Rom 7, 14) E conclui: "Quem me libertará deste corpo de morte?"(Idem, 24). Por isso se esforçava, como aquele que corre no estádio e castiga o seu corpo reduzindo-o à servidão (Cf. 1Cor. 9, 24-27).

Nascidos no pecado e na concupiscência, como nos lembra o salmista {Cf.salmo 51 (50)} - Eis que nasci na iniqüidade, minha mãe concebeu-me no pecado", somente a conversão pode restituir-nos a vida, integrando-nos no Reino da Graça.

A penitência é todo esse esforço que temos de fazer para vencer as fraquezas da carne, para superarmos as paixões e vícios da natureza humana. Ninguém consegue sair de uma prisão, de um atoleiro sem um penoso esforço.

A própria vida de Cristo nos é um exemplo, como ensina um livrinho muito antigo, chamado A Imitação de Cristo: "Toda a vida de Cristo foi cruz e martírio; e tu queres descanso e alegria" (L II, cap. 12) E mais adiante, reitera que não é próprio do homem carregar a sua cruz , mas "é por meio de muitas tribulações que podemos entrar no Reino de Deus"(Cf. Atos, 14,21).

Poderia parecer, sobretudo em nossos dias, que esta batalha interior e também exterior, pois somos uma unidade, espírito e matéria, seria um contra-senso. Cada dia nos sentimos mais e mais capazes, mais desenvolvidos cultural e fisicamente. Então a cruz teria sentido?

Se o nosso horizonte se limitar ao nascer e ao por do sol de uma vida, se não considerarmos nosso destino eterno, não tem sentido. Seremos os mais tolos dos homens se nos dermos a estas práticas, responde São Paulo.

Mas a Lei do Espírito da vida nos liberta da morte e realiza em nós a esperança que está no coração de todo homem e se transborda por toda a natureza, da realização plena da liberdade e da paz na glória dos filhos de Deus.

No sofrimento penitencial, na cruz, unida ao mistério redentor de Cristo, está a salvação, a vida, a força do espírito.

Assim preparados poderemos chegar à Páscoa, à Páscoa no tempo, imagem da Páscoa definitiva e eterna, onde, feitos à imagem do Filho de Deus, podemos clamar "Äbba", Pai.



 
 
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