Liturgia Dominical
 
Missa da Ceia do Senhor – Quinta-feira Santa - C
 
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“A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou”. (cf. Gl 6,14)

Meus queridos Irmãos,

Iniciamos nesta noite o Sagrado Tríduo Sagrado da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na manhã de hoje nas Catedrais de todas as Dioceses do Orbe refletimos sobre a bênção dos Santos óleos dos catecúmenos, dos enfermos e do crisma. Os presbíteros renovaram as suas promessas sacerdotais.

Nesta noite renovamos nosso propósito de refletir sobre o mandamento do amor. O mistério eucarístico somente poderá ser entendido na dinâmica do serviço. Não pode ser consagrado o Pão onde não há um desejo sincero do seguimento de Cristo, ou seja, do serviço a Cristo na pessoa do próximo, daquele que está à margem da sociedade, do sofrimento, de servir aos irmãos que peregrinam conosco para a Jerusalém Celeste. Devemos comungar com o Senhor, mas devemos comungar para a vida cotidiana, pavimentando assim a vida eterna.

Irmãos e Irmãs,

Hoje termina a Quaresma. Adentramos no Tríduo Pascal. Depois de quarenta dias de penitência, de jejum e de conversão, com o tríduo Sacro inicia-se a celebração pascal, pois a morte e a ressurreição de Jesus constituem uma unidade.

Hoje, na Quinta-feira santa, contemplamos um “adeus”: a despedida de alguém que vai para o Pai, conforme nos ensina o Evangelho, mas que, ao mesmo tempo, deixa uma profunda nostalgia, sobretudo por causa do modo como essa despedida será levada ao termo, na noite seguinte. Daí o espírito bem particular desta celebração litúrgica: alegria, até jubilosa – o Glória, solenemente entoado, que somente voltará a ecoar na Vigília Pascal. Mas a alegria é uma alegria em tom menor, misturada com lágrimas, uma alegria reticente, inibida. É a única liturgia do ano, em que se canta o glória, sem que se entoe o Aleluia! Essa liturgia reflete bem o espírito dos fiéis diante dos últimos acontecimentos de Jesus neste mundo contraditório. Eles sabem o que os apóstolos naquela noite não sabiam: que Jesus está percorrendo seu caminho até a glória. Ao mesmo tempo, porém, sentem profundamente a dor desta noite de traição e aflição.

Temos duas circunstâncias: a catástrofe e a glória como núcleos dos capítulos que São João consagra à despedida de Jesus – Jo 13-17 – e dos quais nós escutamos, nesta tarde o início pelo Evangelho.

Meus queridos Irmãos,

Celebrar quer dizer tornar presente, atualizar. Não apenas lembramos o que aconteceu naquela primeira Quinta-Feira Santa do Cenáculo, mas trazemos para o dia de hoje, com o mesmo significado, com a mesma força, com as mesmas conseqüências. Conta-nos João que Jesus “tendo amado os seus que estavam no mundo, levou ao extremo o seu amor por eles” (Jo 13,1). Amor extremado que se manifesta hoje de três maneiras e em três momentos: na instituição da Eucaristia, na instituição do sacerdócio ministerial e no mandamento do Amor fraterno.

Celebramos nesta noite a instituição do banquete eucarístico como motor básico de nossas vidas de cristãos. Eucaristia que brota do amor, criada por amor, missa que só se entende por doação e por misericórdia. Amor e doação que acompanha o povo hebreu desde a libertação de Moisés. Povo que caminhou duzentos anos no Egito e que, durante o exílio, ano após ano, antes da Páscoa, reuniam-se para celebrar a graça da libertação.

No tempo de Jesus a páscoa era celebrada com alegria, bem como, com apreensão porque há muito tempo os hebreus não experimentavam a liberdade completa, estavam subjugados pelo poder romano opressor.

Páscoa significa passagem da servidão para a liberdade. Cristo deu uma nova teleologia a esta passagem: do pecado para a graça. Aqui está a novidade para a páscoa cristã: abandonarmos o pecado e iluminar a nossa vida pela santidade de Cristo que irrompeu o reino da morte e anunciou a vida eterna.
Jesus inaugura uma nova libertação, não política-partidária, mas uma libertação dos olhos e da vida plasmada pelo amor extremado, capaz de transformar escravos, servos e marginalizados em comensais da mesa de Deus, na mesa da vida eterna, pela partilha do pão e do vinho que consagrados se transformam no corpo e no sangue da nova e eterna aliança, a aliança da vida eterna.
           
Meus irmãos,

Jesus institui a Eucaristia como memória do seu ministério e da sua vida: Pegando o pão diz que: “Tomai, todos, e comei: Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós”. E, pegando o pão, diz que: “Tomai, todos, e bebei: Este é o Cálice do Meu Sangue, o Sangue da Nova e Eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos, para a Remissão dos Pecados. Fazei isto em memória de Mim!”

Não apenas transforma o pão em seu corpo, não só transubstancia o vinho em seu sangue, mas o reparte com os Apóstolos, reparte com eles o pão feito carne sua, o vinho feito sangue seu para que, alimentandos da divindade, eles, homens mortais, recebessem a imortalidade; eles homens desgraçados e oprimidos, recebem a graça da libertação que abrange, sim, a libertação social e política, mas vai muito além, porque concede aquilo que mais tarde São Paulo chamou de “liberdade gloriosa dos filhos de Deus”(cf. Rm 8,21).
Jesus, ao mesmo tempo, institui o sacerdócio ministerial, exatamente para celebrar e presidir a Eucaristia e tornar o Seu Corpo e o Seu Sangue perenemente presente renovando a história da Salvação na humanidade. Os padres nasceram e foram gerados nesta noite santa em que Jesus institui a Eucaristia e instituiu o ministério presbiteral.

O padre e a eucaristia são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo gesto de amor e ao mesmo tempo. Ministério do padre que é intimamente ligado a Eucaristia e que ilumina toda a vida sacramental e sacramentaria.
A Eucaristia é um Deus-amor que se dá. O sacerdote, como a própria palavra o diz, é um dom de Deus para o povo. E foi para marcar esta doação de Deus e do padre, que Jesus, nesta noite de Quinta-Feira santa, quebrou novamente o ritual da ceia pascal judaica. Cingiu uma toalha e pôs-se a lavar os pés dos Apóstolos. Gesto proibido aos mestres. Gesto proibido aos senhores. Gesto proibido até mesmo aos escravos. O Evangelista João, que encheu, de forma muito densa, todo capítulo sexto do seu Evangelho com o mistério eucarístico, na última Ceia destaca o exemplo do lava-pés, de profunda doação e partilha.
Pedro pede que além de lavar os pés sejam lavadas as mãos e a cabeças. O filho de Deus lavou os pés de todos eles, acrescentando: “Também vós deveis lavar-vos os pés uns dos outros”. O que vem a ser isso? Realmente significa que devemos perdoar dos pés a cabeça, sem nenhum respeito humano.

A Igreja católica, comunidade de amor, alimentada e expressa pela Eucaristia e animada pelos ministros ordenados, nasce do mistério pascal de Cristo. Neste noite Jesus é entregue e entrega-se aos discípulos como Corpo dado e Sangue derramado, antecipação de sua total entrega ao Pai. Poderíamos dizer que na Quinta-Feira Santa a Comunidade eclesial celebra o mistério da Igreja nascida do mistério pascal de Cristo.

Esta liturgia deve fazer penetrar em nós, por seu rito e pela palavra que o explica, o sentido salvífico da Cruz de Cristo, no sentido de que o cristão, aceitando o esvaziamento de Jesus por nós e associando-se a seu modo de viver e morrer entra na comunhão eterna com ele e com o Pai, Amém!



 
 

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