“É Deus quem me ajuda, é o Senhor quem defende a minha vida. Senhor, de todo o coração hei de vos oferecer o sacrifício e dar graças ao vosso nome, porque sois bom”(cf. Sl 53,6.8)
Meus queridos Irmãos,
Nós vivemos no mundo do corre-corre, ou numa palavra clássica, do chamado “ativismo”. Contemplamos as pessoas correndo desvairadamente de um lado para o outro. E isso vem desde os tempos de Jesus. Assim, Jesus, vez e outra, irreverente com seus anfitriões (cf Lc 13,27ss), aproveita as intensas ocupações de Marta, sua anfitriã, para falar do assunto no Santo Evangelho. Pois ela deseja que Dona Maria, imersa na escuta das palavras do Mestre Jesus, interrompa sua audiência e a ajude a preparar a comida para Jesus. Mas, por que preparar a comida, se não se sabe para quê? Se a gente não se abre para acolher a mensagem, para que acolher o mensageiro? Um bom anfitrião procura servir o melhor possível, mas se ele não faz tempo para se abastecer, que poderá oferecer? Um montão de coisas, mas não aquilo que serve. “Marta, Marta, tu te ocupas com muitas coisas; uma só, porém, é realmente indispensável...”(cf. Lc 10,41-42). Não diz o que. Só diz que Maria escolheu a parte certa: escutar Jesus. Muito mais importante do que acolher Jesus numa casa bem arrumada, a uma mesa bem provida e servida é acolhê-lo, com suas palavras, no coração e na vida integral. Então saberemos preparar a mesa do modo certo.
Caros fiéis,
A Primeira Leitura de hoje fala da hospitalidade de Abrãao e a promessa de Deus(cf. Gn 18,1-10a). Sob a aparência de três viajeiros, Deus apresenta-se “incógnito” a Abraão, que desempenha toda a hospitalidade tão apreciada no Oriente. Mas o acento desliza da hospitalidade de Abraão para a promessa de Deus. Abraão não perguntou pela identidade de seus hóspedes. Agiu por gratuita bondade. Com a mesma gratuidade Deus lhe concede o que era estimado impossível: um filho do seio de Sara. Deus passa por nossa vida, e nós devemos fazê-lo entrar, pois, senão, nossa vida fica vazia. Deus vem como um necessitado, um viajante, e nossa gratuita bondade deve estar pronta para o acolher no momento imprevisto.
Irmãos caríssimos,
A Segunda Leitura(cf. Cl 1,24-28) fala da manifestação do mistério de Cristo no Apóstolo. Servir a Nosso Senhor é participar de seu sofrimento, de sua paixão, morte e ressurreição. No seu sofrimento, o Apóstolo das Gentes vê confirmada sua comunhão com Cristo; e isso lhe é uma alegria. Quer revelar o “mistério de Deus” – que é Cristo – por sua vida. Cristo é “a esperança da glória”. “Cristo está no meio de nós” não é um belo pensamento, mas uma força que nos impele ao encontro de nossos irmãos. Ele é, em nós, a esperança, a impaciência do Dia que há de manifestar plenamente o que ele é e o que nós seremos nele.
Irmãos e Irmãs caríssimos,
Um dos temas mais caros da Sagrada Escritura é a escuta da Palavra de Deus. Vem desde o livro do Gênesis, percorre todos os Profetas e é uma das chamadas constantes dos Santos Evangelhos. Todos nós somos convidados a abrir nossas vidas para a escuta da Palavra de Deus e colocar esta palavra em prática.
O homem é tendencioso a auto-suficiência, ou seja, a satisfazer seus desejos e interesses de maneira própria e pessoal. Um de nossos dramas é sair dos próprios interesses que, ao final, perfazem um círculo vicioso, e alcançar o transcendente.
Assim, Jesus, no Evangelho que hoje(cf. Lc. 10,38-42) refletimos nos fala que a fome do transcendente sacia-se na escuta da Palavra de Deus. Essa escuta não impede o trabalho, mas lhe dá sentido e torna-se condição de boa oração. A essa escuta todos são chamados. As mulheres eram excluídas de ouvir a Palavra de Deus. Mas, Jesus veio acabar com qualquer discriminação e vem ao encontro de Maria para ouvir a Palavra de Deus.
Dona Maria está sentada aos pés do Mestre, escutando seus ensinamentos. No ambiente rabínico circulava a opinião de que antes de entregar a tora a uma mulher, seria preferível queimá-la. Que diferença entre essa mentalidade e a de Jesus! Da escuta da Palavra de Deus ninguém é excluído.
Jesus hoje acentua o amor horizontal para o próximo. Jesus vai ao encontro de duas mulheres privilegiadas dentro da vida pública de Jesus: Marta e Maria, irmãs de Lázaro, a quem Jesus ressuscitara dos mortos. Jesus era amigo pessoal dos três e costumava hospedar-se em sua casa todas as vezes que ia a Jerusalém. Estes três irmãos moravam em Betânia, um lugarejo distante 15 km de Jerusalém, situado no sopé do Monte das Oliveiras, porém na encosta contrária àquela que se volta para a cidade Santa e onde se situava o horto da Paixão.
Para entrar em Jerusalém os judeus se lavavam antes. Assim, em Betânia, Jesus foi se lavar na casa de Lázaro, de Marta e de Maria.
Meus queridos Irmãos,
A preocupação de Marta era compreensível: ela tinha que preparar comida para Jesus e para seus doze apóstolos. Isso tudo exigia muita preparação e grande trabalho, conforme as donas de casa bem entendem.
Marta estava distraída com a preparação do alimento para os visitantes. O trabalho é necessário, é nobre e é bom! Mas o trabalho deve ser santificado pela escuta da Palavra de Deus.
Assim, vem a pergunta: E o que é escutar a Palavra de Deus? São Paulo ensina que “a fé nasce da escuta da Palavra de Cristo”(cf. Rm 10,17). O próprio Cristo elogiou Maria pela grandeza de “escutar a Palavra de Deus”(cf. Lc 11,28). E, em outra ocasião, Jesus adverte aos judeus que o seu pecado consiste “em não escutar a Palavra de Deus”(cf. Jo 8,43).Não se trata de supervalorizar a contemplação em detrimento da ação. Não há primazia da contemplação. O que é necessário é que toda a nossa ação brote da Palavra de Deus e dela se nutra.
Escutar a Palavra de Deus não é somente lê-la com os olhos. É muito mais do que isso: é ouvi-la com os ouvidos e compreendê-la com o intelecto, mas transformá-la em prática de vida, em forma de prece orante, em comportamento, em obras, a ponto de cantar como São Paulo: “Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim!”(cf. Gl 2,20).
Estimados Irmãos,
Dona Maria é hoje apresentada como o modelo do verdadeiro discípulo que, em parte coincide com o retrato do verdadeiro modelo de discípulo que, em parte coincide com o retrato do verdadeiro israelita descrito pelos Salmos. Digo em parte, porque Jesus faz exigências novas. O verdadeiro discípulo, aquele que escuta a Palavra de Deus e a põe em prática, Jesus o compara ao homem que construiu sobre rocha sólida e a um campo fértil que produz muitos frutos.
Marta, ao contrário, fez um julgamento dizendo que Maria a deixara sozinha nas lides da cozinha. Muitas vezes nos comportamos como Marta sempre com lamúrias e reclamações de toda a sorte.
Jesus não condena o trabalho de Marta, mas a sua super preocupação. Assim, a hospitalidade foi sempre recomendada pelo Antigo e pelo Novo Testamento: “Praticai a hospitalidade”(cf. 1Pd 4,9).
Meus irmãos,
A primeira leitura nos mostra a virtude da hospitalidade na figura de Abraão. Deus – que nos anjos se tornou um hóspede – o recompensa com a promessa de um filho.
Paulo, na segunda leitura, pode ser um exemplo. Ele passou da “passividade” do sofrimento, assumindo no seu corpo aquilo que o sofrimento de Cristo deixou para ele. Foi desta identificação profunda com Cristo que ele tirou a força para o seu surpreendente apostolado.
Ainda hoje Jesus está em viagem e, cansado, bate à nossa porta. Será que o acolhemos na sua Palavra, no angustiado à procura de uma boa palavra, no pobre que pede um pedaço de pão, nos injustiçados, colaborando em criar estruturas sociais mais justas e fraternas?
É importante que acolhamos a Jesus como Maria, colocando-nos aos seus pés para ouvi-lo, mas é importante também que o acolhamos como Marta, proporcionando-lhe descanso e alimento, contando que tudo seja feito no Senhor. Quanto ao motivo de ação de graças para podermos hospedar o Senhor! Amém!
|