“Senhor, tudo o que fizestes conosco, com razão o fizestes, pois pecamos contra vós e não obedecemos aos vossos mandamentos. Mas honrai o vosso nome, tratando-nos segundo vossa misericórdia”(cf. Dn 3,31.29s.43.42)
Meus caros irmãos,
Na primeira leitura deste domingo Amós(cf. Am 6,1a.4-7) denuncia o luxo e a luxúria das classes dominantes, enquanto o povo é ameaçado pela catástrofe da injustiça social e da invasão assíria. Por isso, esses ricaços sairão ao exílio na frente dos deportados... Amós evoca ironicamente a gloriosa história antiga: os ricos, porque tem uma cítara para tocar, acham que são cantores como Davi... Samaria é a casa de José, mas José distribuía alimento aos de sua casa...
Fica latente que este trecho da primeira leitura é uma contundente censura de Amós à “sociedade de consumo” de Jerusalém e Samaria. Os seus habitantes aproveitam a vida, sem se importar com a ruína do povo. Por isso, a elite destas cidades tem que ir ao cativeiro, para aprender o que é a justiça e o direito. Até parece que o filme da história se repete na sociedade atual tão consumista, tão voltada para o luxo desnecessário e para o prazer desenfreado, insensível aos muitos problemas que vivemos com a pobreza e a exclusão.
A insensibilidade pelo sofrimento das pessoas mais humildes, excluídas e pobres, que estão a margem da sociedade, é também o tema inicial da parábola do rico e de Lázaro que lemos no Evangelho de hoje(Lc 16,19-31). Continuamos refletindo sobre o uso das riquezas que são dons de Deus e, assim, deve ser colocada a serviço de todos.
Jesus nos pede que tenhamos presente a dialética entre o eterno e o temporal. Aos que colocam a finalidade da sua vida nos bens temporais não é fácil convencer-se da sublimidade dos bens eternos.
Assim já nos ensinou a Bem Aventurada Virgem Maria naquele cântico maravilhoso, o Magnificat: “Depôs do trono os poderosos e elevou os humildes; encheu de bens os famintos e mandou embora os ricos de mãos vazias”(cf Lc 1,52-53).
Irmãos e Irmãs,
Na segunda leitura da liturgia de hoje(cf. 1Tm 6,11-16) são nos apresentadas as virtudes dos líderes da comunidade. Os ministros da Igreja devem cuidar do tema da avareza, que chega abalar a fé. Por isso todos os que servem ao Evangelho devem cultivar as virtudes, procurando de uma maneira autêntica serem fiéis à profissão de fé que manifestaram, confiada a eles por Jesus Cristo até a sua volta e a consumação dos tempos. Tudo isso porque a Igreja está no tempo do seu crescimento e deve, ontem e hoje, conservar o que lhe é confiado.
Caros fiéis,
Todos somos convidados hoje a refletir sobre a misericórdia, especialmente, na dialética do rico e do pobre, do eterno e do transitório. Misericórdia que é Justiça que devem andar de mãos dadas e unidas.
O trecho da perícope mais original é à parte que fala dos irmãos do Rico, isto é, aquelas pessoas que vivem neste mundo à semelhança do rico da parábola. Origem também é o nome dado ao pobre. É a única parábola do Evangelho em que o protagonista principal tem um nome próprio: Lázaro. E é simbólico, porque “Lázaro” significa “Deus ajuda”. Via de regra o pobre é anônimo, ou pouco nos interessa como se chame. Jesus lhe dá um nome, valoriza-o. O rico é quem fica sem nome. Como os ricos são conhecidos pelo nome, os leitores da parábola lhe deram um nome: chamaram-no Epulão, que significa “comilão”.
Meus caros irmãos,
Os irmãos de Epulão, o rico deste mundo transitório, não ouviram Moisés e os profetas. Por isso mesmo em nada iriam ouvir quem viesse da visão beatífica, porque já não ouviam aos profetas. Moises ensinou como seguir uma vida santa: tinha uma série de obrigações para com os pobres, sobretudo os órfãos e viúvas e alguns profetas haviam sido muito explicito na defesa dos pobres e dos excluídos.
Moisés e os profetas da antiga Lei ensinaram com clareza. Muitos não os escutaram. Será que um morto ressuscitado seria um professor melhor? Jesus ressuscitou dos mortos. É ele mais escutado que Moisés e os antigos profetas? Não continuam as riquezas do mundo, que pertencem a todos, acumuladas nas mãos de pouquíssimos? Não estão nossos olhos contemplando uma versão gigantesca da parábola do Epulão e do Lázaro?
Assim a Parábola nos projeta para a continuidade de nossa vida na presença de Deus, nas chamadas alegrias eternas. Na vida presente somos livres de viver como queremos: no altruísmo ou no egoísmo, na virtude ou no pecado. A morte não zera tudo, como gostariam que alguns que acontecesse. A morte revela-nos o sentido da vida na terra. É a morte, que o Evangelho chama de “fim dos tempos”, que fixa para sempre o destino futuro da criatura humana, destino eterno que depende de como vivemos o pequeno espaço de tempo na terra.
Deus nos julga, depois da morte, pelas escolhas que fizemos na vida presente. Quem é egoísta ou deixa de lado os pobres terá um julgamento à altura de seus atos. A liberdade é dos maiores dons que Deus nos concede. Mas ela tem margens que a limitam: os preceitos divinos. Esses nos foram ensinados pelos profetas, pelo Evangelho. A vida presente, portanto, é decisiva. É nesta via que jogamos nosso destino eterno. É na vida presente que escolhemos a eternidade.
Meus amigos,
Os ricos são infelizes, via de regra, porque se rodeiam de bens como de uma fortaleza. São incomunicáveis. Vivem defendendo-se a si e a suas riquezas. Os pobres não tem nada a perder. Por isso, as mãos mais pobres são as que mais se abrem para tudo dar.
Em nosso mundo de competição, a riqueza transforma as pessoas em concorrentes. A riqueza não é vista como gerência daquilo que deve servir para todos, mas como conquista e expressão de status. Tal atitude marca a riqueza financeira, a riqueza cultural e a riqueza afetiva.
São Paulo, por conseguinte, na segunda leitura, nos fala do testemunho de Cristo neste mundo não é nada pacífico. É uma luta: um bom combate. Devemos travá-lo até o fim, para que vivamos para sempre com aquele que possui o fim da História.
A aventura do amor, inaugurada por Cristo e prosseguida depois dele, convidando o homem a consentir ativamente na lei da liberdade, causou, de fato, mudança progressiva nas relações dos homens. O Evangelho não nos ensina nada sobre revolução. Tentar construir uma teologia da revolução a partir do Evangelho é iludir-se e não captar o essencial. Os cristãos, conquistados pela aventura do amor e só na medida que aceitam vivê-la como Cristo e em seu seguimento, estarão mais atentos em fazer com que ela não degenere em novas opressões e em novo legalismo.
Deus não exige que os ricos se desfaçam de todos os bens, mas que sejam generosos e seus bens aproveitem também aos mais necessitados. Deus faz opção pelos pobres. Não a pobreza pela pobreza, mas a pobreza pela grandeza de generosidade, perdão e amor.
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