Com a palavra...
 
Celebrando a vida e a esperança
Por: Dom Fernando Mason
Bispo Diocesano de Piracicaba
 
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No início do mês de novembro, a Liturgia e a tradição, criada por ela, convida-nos a comemorar "todos os fiéis falecidos" e "todos os santos". Há quem goste mais de uma comemoração, há quem goste de outra, e há ainda quem não gosta de nenhuma das duas.

Essas duas comemorações apresentam duas faces diferentes da mesma realidade. Trata-se, antes de tudo, de "comemorar", isto é, manter vivo na memória. São duas celebrações da vida e da esperança.

Pela comemoração de "todos os fiéis falecidos" mantemos viva a memória de todas as pessoas com quem partilhamos a vida no amor e, recordando-as, nós as recomendamos à misericórdia de Deus, para que as torne sempre mais capazes de acolher e participar de seu amor eterno.

É a única coisa que ainda podemos fazer por elas, além de honrar seus túmulos. Além disso o Dia de Finados, por nos colocar diante de nossa provisoriedade, dá um toque de realismo à nossa vida, desperta em nós a percepção de sua preciosidade e nos coloca diante da urgência de vivê-la bem, isto é, de vivê-la conforme Jesus Cristo.

O Dia de Finados é celebrado no dia 2 de novembro, mas a piedade em favor dos irmãos falecidos, com a visita aos cemitérios e as orações, segundo prescrição da Igreja, estende-se até o dia 8 de novembro. Somos convidados a rezar por eles, confiantes na misericórdia divina, atentos à recomendação de Santo Agostinho: "Saudade sim, tristeza não."

Essa celebração também nos leva a professar a fé na ressurreição dos mortos. Embora a certeza da morte nos entristece, a esperança nos encoraja e nos anima, pois sabemos que a morte não é o fim, mas sim a passagem de uma vida de peregrino neste mundo para a vida plena junto de Deus na pátria definitiva.

Por isso a morte não pode ser considerada numa visão fatalista, mas sim de fé e esperança, fundamentadas nas palavras de Jesus: "Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê, ainda que esteja morto, viverá." (Jo 11,25)

Embora a tristeza nos domine quando perdemos um ente querido, a esperança nos consola, pois, como rezamos na Liturgia, "para os que crêem, a vida não é tirada, mas transformada; e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível."

Essa certeza nos é dada pelo próprio Cristo que, pela sua ressurreição, garante também a nossa. Por isso São Paulo advertia os cristãos de Corinto: "Como podem alguns entre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia é também a vossa fé. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram, (l cor 15,12-14.20)

Apesar da revelação divina, apesar de doutrina consoladora do cristianismo, há quem ache triste, deselegante falar em finados, em morte afinal. Na realidade, só quem encara a morte numa visão cristã consegue a verdadeira alegria de viver, pois a vida começa a ser entendida e vivida como dom único e precioso, chance de realização total.

E aqui fazemos ligação com a segunda comemoração, a de Todos os Santos. Quem são estes? São todos aqueles que comemoramos no dia de Finados e cuja vida teve aquele desfecho de realização e plenificação que chamamos "paraíso".

Sim, pois a nossa vida pode ter um desfecho de negação, de frustração de nossa grandeza maior, a de sermos imagem e semelhança de Deus, filhos seus. A essa negação e frustração última chamamos de "inferno".

Mas aqueles que são "paraíso" junto com Deus, estes nós não os devemos esquecer! Devemos, antes, comemorá-los, pois sua lembrança nos estimula e incita a seguirmos seus bons passos, para realizarmos em plenitude, nós também, a convocação para a existência recebida do nosso Deus-amor.

Diz São Francisco, no Cântico das Criaturas: "Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a morte corporal, da qual homem algum pode escapar. Ai daqueles que morrem em pecados mortais. Felizes os que a morte encontrar dentro de tuas santíssimas vontades, porque a morte segunda (a morte eterna) não lhes fará mal. Louvai e bendizei a meu Senhor e rendei-lhe graças e servi-o com grande humildade."



 
 
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